A prescrição fulminou a ação penal movida contra o juiz gaúcho Jairo
Cardoso Soares, seis anos depois de ele ter sido condenado (22 x 3
votos) pelo Órgão Especial do TJRS pelo crime de abuso de autoridade, a
uma pena de quatro meses de prisão, depois substituída por prestação
pecuniária (50 salários mínimos).
Segundo a denúncia, firmada pelo então procurador-geral da Justiça Roberto Bandeira Pereira, “na
tarde de 02 de julho de 2005, na agência do Banco do Brasil, da cidade
de Lavras do Sul, o denunciado, com abuso de autoridade, executou medida
privativa de liberdade e atentou contra a liberdade de locomoção de
Seno Luiz Klock, gerente daquela agência, ao prender-lhe em flagrante".
A peça de acusação relata que Jairo "na condição de magistrado,
acompanhado de dois oficiais de justiça, do delegado de Polícia Alcindo
Romeu Dutra Martins e de outro policial civil, ambos da Delegacia de
Policia de Lavras do Sul, bem como de quatro PMs, adentrou nas
dependências do banco, tendo, aos gritos, acusado a vítima de
estelionato e determinado a sua condução, com algemas, à Delegacia de
Polícia local, mediante os seguintes termos: ´Leva agora. A explicação é
na Delegacia. E é sem fiança”.
Na origem do caso, o juiz Jairo Cardoso Soares mantinha pendências
financeiras de pouco mais de R$ 30 mil com o Banco do Brasil e com
administradoras de cartões de crédito.
No dia 1º de julho de 2005, o magistrado informou à instituição
financeira que fizera um depósito suficiente para a liquidação dos
débitos. Na hora de zerar as contas, porém, teriam faltado R$ 700. Com a
realização do depósito complementar, a situação de restrições
creditícias - prometeu o banco - estaria regularizada em 48 horas.
Porém, já no dia seguinte (02), por volta das 16 h. - sabendo que ainda se encontrava cadastrado na Serasa - "impaciente
e exaltado, Jairo telefonou para a agência dizendo que lá iria a fim de
prender o gerente, o que de fato ocorreu pouco mais tarde,
configurando-se injustificável arbitrariedade no ato consumado" - segundo revelam os autos processuais.
O gerente Seno Luiz Klock (na condição de preso), o juiz Jairo,
policiais e testemunhas foram todos para a delegacia. Por volta das 22
h, o delegado Alcindo Romeu Dutra Martins escreveu no inquérito que "o
autuado efetivamente infringiu o art. 171 do Código Penal e por ter
curso superior (bacharel em Direito) e ser crime inafiançável será
recolhido ao Pelotão da Brigada Militar, ficando à disposição da Justiça".
Como Lavras do Sul só tinha um juiz - que era o próprio magistrado
autor da ordem verbal de prisão - surgiu um impasse processual: quem
homologaria o flagrante? O caso foi passado para a juíza Alessandra
Couto de Oliveira, de uma comarca vizinha, que homologou a prisão em
flagrante, mas concedeu ao gerente do banco o benefício da liberdade
provisória, afinal obtida só às 2 horas da madrugada seguinte.
Nenhum dos advogados locais procurados quis fazer a defesa do gerente
bancário. Em Porto Alegre, familiares do gerente contrataram o advogado
Amadeu de Almeida Weinmann, que afinal - mais tarde - em nome do
bancário, se habilitou como assistente da acusação.
Em 21 de julho de 2005, o Banco do Brasil ofereceu formal
representação na Corregedoria-Geral da Justiça contra o juiz Jairo
Cardoso Soares. Na petição, o advogado Ademar Pedro Scheffler, em nome
do BB, foi incisivo na crítica ao comportamento do juiz: "Jairo agiu
não como cidadão comum, mas na condição de magistrado, movimentando um
aparato policial nunca visto na cidade: duas viaturas e nove
acompanhantes , dentre oficiais de justiça, policiais e PMs".
Instaurado processo administrativo, o juiz - "por procedimento incompatível à condição de magistrado"
- sofreu (em 14 de novembro de 2005) a imposição da pena disciplinar de
remoção compulsória, sendo transferido de Lavras do Sul para a comarca
de Três de Maio. No mesmo dia, o então-presidente do TJ gaúcho,
desembargador Osvaldo Stefanello, oficiou ao procurador-geral da
Justiça, enviando a prova documental "para as devidas providências".
Houve então a denúncia criminal. Durante a instrução da ação penal, o magistrado Jairo, ao depor, admitiu que "nunca
agira assim na minha vida, me tenho por uma pessoa equilibrada (...),
reconheço que perdi o equilíbrio, hoje eu agiria diferente porque na
área cível eu estava cheio de razão, eu era a vítima. Só que por um ato
desses, eu de vítima passei a réu. Tudo bem. O que está feito, está
feito".
Pouco mais de dois anos e três meses depois do
fato apontado como delituoso - o TJRS condenou o juiz. O relator foi o
desembargador Vladimir Giacomuzzi.
No seu voto, ele afirmou que "o acusado se utilizou, consciente, abusiva e ilegalmente, do cargo que ocupava, para fazer o que fez”.
Nessa linha votaram outros 21 desembargadores; outros três votaram pela absolvição.
Atualmente, o juiz Jairo atua na comarca gaúcha de São Sepé. (Proc. nº 70015391626).
Prescrição no STJ
O REsp em nome do juiz foi interposto pelos advogados José Antonio
Paganella Boschi (desembargador gaúcho aposentado) e Marcus Vinicius
Boschi.
Protocolado no STJ em 24 de junho de 2008, o julgamento
demorou cinco anos e três meses, passando sucessivamente pelos gabinetes
dos ministros Nilson Naves, Vasco Della Giustina e Alderita Ramos de
Oliveira - sem que houvesse qualquer decisão.
Em 2 de setembro
deste ano foi designado novo relator: o ministro Rogério Schietti Cruz,
empossado no STJ na segunda quinzena de agosto. No dia 1º de outubro,
Schietti declarou extinta a punibilidade, sendo a decisão comunicada ao
mesmo dia ao TJRS. Dois dias depois foi publicada a decisão no DJ On
line.
No julgado, o relator considera que "o último marco interruptivo é o acórdão condenatório, julgado em 24 de setembro de 2007".
A partir dessa data contam-se os dois anos da pretensão punitiva, que
ocorreu em 24 de setembro de 2009. O relator, assim, julgou extinta a
punibilidade. (REsp nº 1068768).
Ação cível lenta
No Foro de Porto Alegre, o gerente bancário Seno Luiz Klock é autor
de uma ação cível de reparação por dano moral contra o Estado do RS e
contra o próprio juiz Jairo Cardoso Soares. Este, nos mesmos autos,
tornou-se reconvinte.
As duas ações têm, já, quase sete anos de
tramitação (ajuizamento em 1º.11.2006) na 2ª Vara da Fazenda Pública.
Ainda sem sentença, os autos repousam na "Pilha nº 12". (Proc. nº
10602231420).