Quantas mentiras você disse hoje? Nenhuma?! Então é melhor se apressar para cumprir sua cota. A cota individual é, em média, de oito mentiras/dia. É o que diz uma pesquisa sobre a mentira. “Mas eu não minto, gente!”, contestei sem saber que estava incorrendo num lugar-comum. A pesquisa adverte, todos os entrevistados tiram o corpo fora, ninguém se admite mentiroso.
Ninguém se admite, mas, pela pesquisa, todos o somos – pelo menos os brasileiros que não são políticos, juízes etc. E se todos dizemos mentiras, parece óbvio que algumas mentiras sejam comuns a todos. Quais são elas? A primeira da lista, a que dizemos praticamente todos os dias é, ainda segundo a pesquisa, “tudo bem”, em resposta à pergunta: “E aí, como vai?”.
Discordo. Dizer "tudo bem", mesmo se nosso gato desapareceu, se tia foi internada, se fomos despedidos ou se a bateria do carro arriou, não é uma mentira. É a justa resposta a uma deixa, parte de um código. A pessoa que, ao nos encontrar, pergunta como vamos, não pretende que lhe contemos as nossas desgraças. Se o fizermos, não nos considerará honradamente sinceros, mas nos colocará encabeçando sua lista de chatos.
A pergunta “e aí, como vai?” não é sequer uma pergunta, apesar do ponto de interrogação. É uma frase feita, espécie de ficha que significa reconhecimento, e que utilizamos para abreviar um fraseado e um sentimento mais amplos: estou contente de te encontrar e espero que esteja tudo bem contigo. É, no fundo, uma breve declaração de amizade ou até de afeto. E, como tal, a tomamos.
Se, à pergunta-não-pergunta respondermos elencando nossas atribulações, estaremos frustrando a expectativa do outro, que só estava nos dizendo: " Espero que esteja bem".
Provavelmente, já ocorreu com você perguntar a alguém pela saúde da mãe ou do pai e receber a resposta: "Faleceu". É um coice no peito, mesmo quando a gente não tem nada ou quase nada a ver com o falecido. Eu era criança, chegou em casa um amigo de família, de gravata preta – naquele tempo era sinal de luto –, perguntei: "Você foi a um enterro?". E ele: " Fui, do meu irmão." Nunca mais esqueci meu constrangimento. É justo, então, considerar mentiroso alguém que, para poupar o interlocutor, em vez de dizer "faleceu", dá qualquer resposta evasiva? E, por favor, não vamos cair na obviedade de falar em “mentira social”.
Por outro lado, há uma pesquisa que nunca vi e da qual nunca tive notícia, que me interessaria enormemente: “Quantas mentiras recebemos por dia?”.
Você já recebeu sua mentira hoje? Ou seria mais justo usar o plural? Já cobriu sua cota? Aliás, qual é, em média, a cota diária de mentiras a que é submetido um ser humano?
Há épocas de maior abundância, evidentemente. Período eleitoral, políticos safados disparados, mas também os dias das grandes festas, em que a felicidade nos é oferecida em bandeja de prata. E não façamos pouco do cotidiano, nosso moderno cotidiano recheado de mentiras matematicamente calculadas para nos levar a compras supérfluas, trocas desnecessárias, gestos que só outros beneficiam.
Frente a isso, como se torna meigo nosso modesto “tudo bem”, que não tem outra finalidade senão retribuir com carinho o gentil, “como vai?”. Vai tudo uma merda!