Não tenho nenhuma dificuldade em dizer que sempre gostei de atuar no Parlamento e tenho orgulho de ter sido e ser ainda hoje parlamentar. O Parlamento é indispensável para a Democracia de um país. Ser parlamentar, representando milhares de pessoas que, nas urnas, marcaram o número e depositaram a sua confiança no seu mandato, sempre foi visto e vivido, por mim, intensamente, como uma função nobre e dignificante. Por isso, sempre procurei, com lealdade e ética, no limite das minhas possibilidades e superando limitações pessoais, me dedicar, ao máximo, com paixão, alegria e satisfação, a esta missão que me foi delegada por aqueles que me escolheram como seu candidato e representante.
Desde a última campanha eleitoral, disse e repeti, por diversas vezes, que achava difícil a possibilidade de vir a participar de uma nova eleição à Câmara dos Deputados, se não houvesse uma radical reforma do sistema político brasileiro. Afirmava que, se houvesse oportunidade e fosse útil ao meu partido, minha disposição poderia vir a ser até a de disputar eventualmente um cargo majoritário. Mas, antevendo o futuro, já começava a dialogar com os meus eleitores sobre a possibilidade daquela ser a minha última disputa para um mandato proporcional. Fazia isso, no curso de uma campanha, por já não me sentir confortável em disputas onde os recursos financeiros cada vez mais decidem o sucesso de uma campanha, onde apoios eleitorais não são obtidos pelo convencimento político das idéias, pelo programa ou pela própria atuação do candidato proporcional, mas quase sempre pelo quanto de “estrutura” financeira ele pode distribuir. Já naquele momento começava a me sentir desestimulado em disputar eleições onde os órgãos fiscalizadores partem de interpretações tão rígidas e formais das regras eleitorais que mesmo os mais sérios e cautelosos dos candidatos poderão sofrer pesadas punições, enquanto os adeptos de práticas não republicanas correm praticamente os mesmos riscos quando realizam suas campanhas milionárias, engordando seus patrimônios pessoais e obtendo votos a peso de ouro. Hoje um político sério no Brasil pode vir a ser punido ou mesmo correr o risco de perder o seu mandato, por um mero descuido ou erro formal. Será então exposto à impiedosa execração pública que o tratará como um criminoso de alta periculosidade, com seu nome e fotografia estampado pelos órgãos de comunicação, sem que se busque saber, exatamente qual “delito”, de fato, ele cometeu. Seus familiares, mesmo conscientes da lisura ética do punido, amargarão a vergonha e a zombaria pública, recebendo também uma sanção social implacável. Já os corruptos cuidadosos que podem pagar bons e caros técnicos que os assessoram, costumam não cometer erros desta natureza, ao engendrarem suas grandes “falcatruas”. Bem assessorados, quase sempre saem “limpos” das disputas eleitorais e aptos a continuar a assaltar os cofres públicos com a mesma desenvoltura de sempre. Quando, porém, eventualmente, são pegos pelas malhas da lei, já possuem os cofres nutridos para pagar bons advogados e fortuna suficiente para fugir da execração social em lugares acolhedores do mundo. Por serem desonestos, já estavam preparados para o “risco” das suas atividades perigosas.
Não bastasse isso, a generalização e a banalização da idéia de que todo político é “desonesto”, não pode deixar de abater ou desestimular os que buscam comportar-se com a dignidade e a ética que o respeito ao voto popular exige. Não há nada pior para alguém que vive com dignidade no mundo da política, do que, diante de uma acusação qualquer, ver que a sua palavra ou a ausência de provas incriminadoras, não afasta nunca a “certeza” da sua “culpa”. Se na vida comum se costuma dizer injustamente que “onde há fumaça há fogo” (injustamente, porque a fumaça pode ter outras “causas químicas”), na vida de um político, o senso comum costuma sentenciar que se há “a leve aparência da fumaça, a existência do fogo é certa”. E não admite, jamais, prova em contrário.
Tinha e tenho consciência de que somente uma reforma política aguda e radical poderia romper com a cultura dominante de execração preconceituosa de todos os que optam pela vida política, forçando a diferenciação do joio do trigo pela sociedade. Mas junto com outros companheiros de luta, fui derrotado. As regras eleitorais que marcarão as próximas disputas aos cargos proporcionais serão as mesmas. Os vícios serão os mesmos. E o desestímulo dos que defendem posturas republicanas na atividade política cada vez maior.
Admiro e aplaudo, portanto, todos aqueles companheiros que, tendo a mesma visão ética que possuo da ação política, ainda conseguem transformar o desestímulo em energia para uma disputa proporcional dentro deste sistema eleitoral e desta conjuntura adversa, como, aliás, fiz tantas vezes. Só que todos devem saber respeitar os seus limites e avaliar, diante do que sentem e vivem, quando poderão ser mais úteis em outras frentes de luta, na defesa da mesma causa. É o que hoje, após tantos anos de atividade parlamentar, percebo em mim mesmo diante da perspectiva de participar de um novo pleito eleitoral para a disputa de uma vaga na Câmara dos Deputados. Aprendi na minha vida a não entrar em disputas quando não se tem ânimo para enfrentá-las ou não se sente prazer e alegria em fazer um bom embate, mesmo quando a vitória é possível. O sistema político brasileiro traz no seu bojo o vírus da procriação da corrupção e das práticas não republicanas, mas também inocula, ao mesmo tempo, outro vírus que atinge o ânimo dos que gostam do Parlamento, mas não gostam das condições, das regras, das calúnias e das incompreensões que forjam o caminho do acesso e o exercício de um mandato proporcional. Embora tenha lutado muito contra o primeiro, fui, lamentavelmente, atingido pelo segundo.
Por isso, deixarei, ao final deste ano, a Câmara dos Deputados, mas não abandonarei a militância política. Estarei sempre à disposição do meu Partido e do projeto político-ideológico que defendo para o país, para assumir qualquer tarefa que me traga ao espírito o ânimo e a alegria do bom embate, na construção de uma sociedade justa e fraterna.
Na íntegra: Carta de Jose Eduardo Cardozo