Cresci em Belo Horizonte/MG e por diversas vezes estive em Ouro Preto, situada apenas a 70 quilômetros da capital. A cidade é história pura. O fato é que sempre ouvi que o Alfreres não tinha barba. Aquela aparência com Jesus Cristo nada tinha ver com Tiradentes. |
Tiradentes era um cara mulherengo e grosseiro com as mulheres. Com 40 anos, deflorou Antônia Maria do Espírito que tinha 16 anos, e dessa relação nasceu Joaquina. Apesar da promessa de se casar com Antônia, dizia que a mesma não procedia bem durantes suas longas viagens ao RJ. Foi o padrinho de Maria Joaquina, o rico comerciante, Domingos de Abreu Vieira, companheiro do movimento conspiratório, que a adotou. Tiradentes deixou para Antônia, uma casa onde moravam a filha e a sogra, além de uma escrava. Maria Joaquina não foi levada para Portugal muito menos voltou ao Brasil com a família imperial, isso é ficção.
Muito pouco se sabe sobre quem foi Antônia Maria do Espírito Santo. Ela não era negra tampouco pobre, seu pai Antônio da Silva Pais, era funcionário público, cargo só ocupado por brancos e que conferia uma boa dose de status. Tampouco há informações relevantes sobre o paradeiro de Joaquina, filha de Tiradentes. As mulheres da época, ao se casarem, adotavam o sobrenome do marido, apagando assim as informações acerca da família de origem. Portanto, é provável que Joaquina tenha se perdido na história ao adotar o nome de casada, e com ela os descendentes de Tiradentes.
Rompimentos e abandonos com suas amantes, como os de Tiradentes eram práticas corriqueiras na Ouro Preto do final do século XVIII. Minas tem uma tradição de concubinato muito forte, e surgiu no início da colonização em busca de ouro por vários motivos, até mesmo por uma questão demográfica, por uma imigração maciça de homens sem mulheres para casar. E também há uma forte influência da tradição africana, que não via esse tipo de união como algo censurável. Por conta da decadência da mineração do ouro, dá-se uma evasão masculina e começa um processo inverso: aumento da população feminina, mulheres solteiras que não encontram mais maridos, alto índice de bastardia, e de homens brancos com mulheres mulatas. Por incrível que pareça, Ouro Preto não era uma sociedade tradicional.
Um outro lado de Tiradentes pouco conhecido é a aparente contradição de que um homem que defendia a abolição da escravatura fosse, ele próprio, proprietário de escravos. É sabido que Tiradentes não só doou escravos para sua amante Antônia Maria, mas também possuía alguns.
Tiradentes foi um homem comum de sua época. Não era pobre, teve fazenda, ganhava relativamente bem com as profissões de alferes (posto militar equivalente ao de tenente) e de dentista. Portanto, tinha escravos, assim como a maioria dos homens das classes média e alta da época os tinham”. A ideia de liberdade, a época, não significava necessariamente rompimento com a ordem social, mas, sobretudo, com a ordem política – o que se queria, no fundo, era liberdade de comércio – difícil ir mais fundo na pesquisa desse tema, uma vez que o assunto da escravidão é muito pouco citado nos Autos da Devassa.
Tiradentes não deve ser julgado por sua conduta íntima. O mito já está arraigado na História do Brasil. Sua associação à história do martírio de Jesus Cristo torna praticamente impossível fazer sua desconstrução. O ideal não é desconstruir o mito, mas procurar compreender sua construção, como se forjou Tiradentes como salvador da pátria, como a figura mais importante de nossa História, com direito inclusive a um feriado, o 21 de abril.
Na verdade, Tiradentes não precisa ser elogiado ou diminuído, mas entendido como homem racional e radicalmente imbuído da convicção de que era melhor para o Brasil tornar-se independente de Portugal. Não deve haver releitura negativa ou positiva, mas tão-somente interpretação documental, segundo as características de sua época, e não de acordo com as do nosso tempo. Os documentos deixados sobre Antônia Maria e Joaquina, que ainda se encontram em Ouro Preto, em nada diminuem ou elevam a figura pessoal ou histórica de Tiradentes. Apenas ajudam a situá-lo como homem comum que foi, distante de um personagem idealizado.