Casualmente,
lendo a revista Caras de 26.09.2014, vi na 5ª página uma linda ilustração, onde
uma criança se equilibrava em um skate e abaixo da fotografia, trecho de um poema:
“de
repente
teus
movimentos
são
acordes inesquecíveis
que
dominam a máquina
que
desliza obediente
pelas
ruas encruzilhadas,
estradas”.
Emocionou-me
a ilustração e os versos. Nesta folha, o nome do autor: Cármine Antônio Savino
Filho, Juiz de Direito, escritor e poeta brasileiro. O poema acima vem com o
nome “Tema para um Amigo”, do livro “Cidade Noturna”.
Resolvi,
então, pesquisar mais profundamente sobre este poeta, encontrando seus diversos
escritos direito e poesia.
Encontrei
dois de seus livros: “Palavras e Sentidos” e “Cidade Noturna”. Alguns críticos
brasileiros falaram sobre “Palavras e Sentidos”. LÊDO IVO, membro da Academia
Brasileira de Letras, escreveu:
“A
ironia e a auto-ironia são, a meu ver, os elementos básicos da poesia de
Cármine Antônio Savino Filho. Com eles, e através deles, o poeta se exprime e
comunica-se, numa experiência lírica fundada na celebração da vida cotidiana,
cuja nota exemplar vibra no “poema da madrugada”. A dicção coloquial rege não
só as peças em que ele capta o fluir do dia e a presença das coisas, mas ainda
naquelas em que transitam os desejos e emoções de uma noite amorosa.” Lêdo Ivo
destaca o “poema da madrugada”:
"ando pelo quarto
como silhueta
refletida no espelho.
esta loucura do sonho
na manhã de sol.
transgrido os espaços
e liberto-me
como libélula,
personagem
do livro inerte
que dorme nas palavras.
a explosão do meu coração
indiferente sob o teto
de cimento armado.
pelas frestas da janela
o trem que passa
dissolve-se na curva.
impossibilidade total
de alcançá-lo
nos trilhos
de minhas linhas paralelas.
olho fotografias
nas paredes
mapas em cores desbotadas.
nas frestas, na pequena luz
o trem que desaparece
e não retorna.
Desembargador
Cármine (o primeiro a direita) reunido com os imortais da Associação Brasileira de Letras
Arnaldo
Niskier, também da Academia Brasileira de Letras, expressou: “A apresentação do
livro “Palavras e Sentidos” contém poesias breves e de notória qualidade,
demonstrando a maturidade literária do poeta, que recebeu, em 2002, em Itabira
(MG) o “Prêmio Carlos Drummond de Andrade”, pelo conjunto de obras.
Como
esse inspirado vate, também desembargador, concilia as duas vocações? Uma lida com
o fingimento, enquanto a outra o faz intérprete das leis, que estão muito longe
dos exercícios da ficção. Aí reside o engenho e arte – e talvez o mistério – de
Cármine, que chegou a emocionar o seu conterrâneo Carlos Drummond de Andrade, o
que não é pouco, no início da sua trajetória poética. Solidariedade mineira ou
reconhecimento do mérito?
Prefiro
ficar com a segunda e mais plausível hipótese. Suas letras deliram nas trevas
(“alguns versos”), mas são iluminadas por uma luz personalíssima.
É
comum a referência a palavras como precatória e condenação por revelia, o que
revela a presença do Direito na Poesia.
O
autor fez a sua escolha, tanto nos versos quanto nas ilustrações. Mistura
grandes nomes das artes brasileiras, recorrendo a Cecília Meireles e Carlos
Bracher. Suas lembranças são de primeira qualidade, constituindo um amálgama de
raro esplendor estético e poético.
Lêdo
Ivo, da Academia Brasileira de Letras, vibra com o “Poema da Madrugada”.
Escolha de quem entende. Movido por uma impulsão pessoal, detenho-me sobre
“Poema”, em que confessa que explode o seu coração, enquanto passa o trem que
carrega sonhos e frustrações. São versos objetivos, de facial compreensão, com
um toque de sensualidade que não se faz com economia de sentimentos. Ao contrário,
está muito presente.
O
livro cita uma “noite grávida e outros achados, o que compõe uma obra digna, de
consagração do seu autor. Merece leitura, com todo o nosso respeito e
admiração.”
“Poema”
foi o destaque de Arnaldo Niskier:
"às nove horas da noite
sentei-me na mesa
carmim. Com um copo
de whisky nacional.
às nove horas da noite
este tempo eterno
congelado na espera
derradeira
da emoção que minhas
palavras não traduzem.
às nove horas da noite
meus sonhos lúdicos
dançam na memória.
às nove horas da noite
embarquei para última
viagem com a mente
confusa pelo whisky
nacional”.
Outros
autores destacaram as poesias do Magistrado Cármine Antônio Savino Filho.
Vejamos
Carlos Drummond de Andrade: “Antônio Savino tem uma forma pessoal de fazer
poemas. Isto é fundamental. Existe em suas poesias exata adequação entre o
conteúdo e forma, formando uma unidade ideal.
Venho
lendo seus poemas em livros e no Suplemento Literário de Minas Gerais. Todos
eles me trazem ânsia de respiração e comunicação.
Lembro-me
de seu poema “Dedicatória”.
“teus
olhos
cristais
oblongos
claros
a
iluminar
a
terra.
teus
olhos
linhas
curvas
completas
a
redimensionar
o
tempo
teus
ombros
retos
definitivos
a
equilibrar
minhas
visões.
tuas
mãos
geometria
acumuladas
no
espaço”.
Marcos
Konder Reis disse: “Cármine Antônio Savino Filho surge aos meus olhos como um verdadeiro poeta, como de
outras vezes, senhor da sua vocação, dono de um rigor que não pode deixar de
nos lembrar o crítico excelente que é. Tudo isso o torna denso e difícil, mesmo
quando nos dá a entender que ele vai nos oferecer composições destinadas a
compreender e representar seu particular, que é, para o grande poeta Goethe, o
específico da arte.
No
entanto, nossa esperança de vê-lo desvelado em seus poemas se desvanece muito
cedo, como a claridade do amanhecer ante a neblina densa.
Sim,
porque a densidade, exatamente a densidade de suas composições, levanta-se como
cerca em nosso caminho, e nos sentimentos, não sem motivos, perdidos, cegos e
surdos, talvez, para a invenção do poeta que não acaba de acender-se ante a
possível fraqueza de nossos sentimentos.
Destro
no manejo de suas cordas, o poeta nos surge com atestado de categoria nos
versos rotineiros de sua invenção.
Digo
do prazer que nos concedêramos poemas de Cármine Antônio Savino Filho, da
excelência que, a nosso ver, lhes adjetiva, do despojamento que os faz bater
como arames feridos pelo vento.
O
que fizemos, em verdade, ao longo da leitura e releitura deste volume, foi
tentar abrir caminho, por mais difícil, para não apenas fechar o livro, depois
de ter mastigado, com volúpia, mas fechá-lo depois de ter sentido e visto
amanhecer dentro de nós.”
Walmir
Ayala expôs seus sentimentos:
“O
poeta Cármine Antônio Savino Filho tem absoluta consciência da construção do
poema. Seus versos me lembram pintura, pelas tonalidades que minhas fantasias
me permitem ver. Elas me lembram as paisagens, ruas, tempo, mulher. Tudo em
seus versos me traz também as cores, como se cada poema fosse uma tela
impressionista-expressionista, contendo movimentos lúdicos com pinceladas
rigorosamente existenciais”.
Pelo
ritmo pessoal, Savino me envolve também no mundo dos sons, porque ao ler seus
poemas vejo-me ouvindo melodias encantadas.
Por
fim, a construção poética de Savino é iluminada. Seu poema ‘Lírica’ está em
minha memória permanentemente”.
plantei em seu corpo
a seiva
do meu suor.
tornarei-me
raiz
na argila
da tua permanência.
serei
tua nova forma
ungida
em canto.
O
Magistrado Cármine Antônio Savino Filho no exercício judicial nunca deixou seu
coração se enrijecer por tudo que acontecia nas Varas e Câmaras Criminais.
A
sensibilidade sempre foi a sua marca registrada em seus julgados, que faziam da
Magistratura antes de ciência, uma arte que poucos dominavam tão bem quanto
ele.
Admirador
de Cecília Meireles, cuja biografia e obra conhece como poucos. Dos poemas de
Cecília Meireles o Desembargador Cármine retirou valiosos conceitos.
Na
Sala José de Alencar, na Academia Brasileira de Letras, assisti belíssima
palestra do Desembargador Cármine a respeito da obra de Cecília Meireles. Além
de contar a história dessa grande Autora, ele falou, de memória, vinte poemas
da escritora. Aplaudido de pé, alguns choraram.
Não
podia deixar de incluir nestas minhas reflexões o poema que motivou a
publicação na revista CARAS, assunto que motivou o início deste meu artigo: Tema
para um amigo.
"navegando milhas, tempos, espaços com teu
avistei-te na estrada, cortando o asfalto
bonezinho cor de anil e com tuas pernas
atléticas a movimentar-se como um hino
avistei-te navegar de um Estado a outro
de vida, de compasso, de música, de
rigidez.
com a tranquilidade dos pássaros, dos
ventos.
acompanhei-te em silêncio, surpreso,
tímido,
sabendo-te homem de repente, meu filho
a palmilhar cada centímetro de estrada,
sob o solo, suor, lua, frio, entre o
branco
do céu, o escuro da noite.
avistei-te sair de casa como soldado que
parte
para o combate, simples sereno, com a
certeza
coberto de amor, retinas repletas de
certezas.
da vitória, munido com fuzil de flores,
peito
o boné azul da paz, roupagem verde de
esperanças
mãos brancas, ricas. eis-te solto pelo
mundo,
a viver a brisa madrigal.
teus movimentos
são acordes inesquecíveis
que dominam a máquina
que desliza obediente
pelas ruas encruzilhadas
de repente estradas
eis-me aqui, estático a aguardar a volta,
a pensar,
a cogitar. eis-me aqui a aprender a
derradeira
lição de que os pássaros voam e tu voas
como
pássaro feito para as viagens das águias
a conquistar o mundo pelos voos ou
pousos.
avistei-te músculos a dançar as grande
e atléticas danças criadas, arranjadas
pelo próprio
corpo, absorto dos limites musicais e
recriando
o próprio universo, e cada passo compasso
de tuas
pernas, cada movimento de teus ombros
êxtase, perplexidade de ver gaivota,
fecundadas com relvas, em movimentos
ombro a ombro
com as fantasias.
fui um deslumbramento,
aquele animalzinho tão pequeno
que minhas células ajudaram
a construir um dia, células terrais,
lúdicos vestais.
oh navegante! por onde passas a velejar,
transforma-te
em herói das estrelas, que decantam
tua bravura e coragem de marinheiro do
asfalto
em guizos
com âncoras e sonhos.