FABIANA |
Há conceitos que
foram plenamente aceitos em determinada época. O tempo e o avanço da
civilização se encarregaram de relegá-los a passado que só tem vez na
contemporaneidade como história. É o caso da situação da mulher. No
século 17, aceitava-se a lição do padre Antônio Vieira que traduzia o
espírito da sociedade de então. “A mulher”, escreveu ele, “só deve sair
de casa em três ocasiões: no batizado, no casamento e no enterro”.
Lembrado hoje, o ensinamento soa tão ultrapassado quanto a escravidão, que transitava com desenvoltura por salões, praças, escolas e igrejas no Brasil-colônia e no Império. Tratar um ser humano como mercadoria era tão natural quanto o suceder dos dias e das noites, das estações do ano ou das fases da Lua. Hoje dá cadeia e sujeita o infrator ao escárnio das consciências civilizadas do mundo.
O mesmo ocorre com o racismo. Apesar de contrariar os cidadãos de norte a sul do país, a prática ressurge aqui e ali em espaços públicos frequentados por muitas pessoas. É o caso de ônibus, metrô e, sobretudo, estádios esportivos.
O mais recente episódio ocorreu lamentavelmente em Belo Horizonte. Na noite de terça-feira, a atleta negra do Sesi-SP e da Seleção Brasileira de Vôlei Fabiana foi chamada de “macaca” durante partida contra o Minas Tênis Clube na Arena JK.
Fabiana recebeu não só o apoio do clube mineiro, a cuja equipe já pertenceu no início de sua vitoriosa carreira, mas também do público presente à competição. Indignados, torcedores mineiros que assistiam à partida identificaram o agressor e acionaram a Polícia Militar. A atleta postou o ocorrido em rede social. “Vivenciar isso é difícil e duro. Vivenciar isso na minha terra torna tudo pior.” No texto, ela conta o que a levou a divulgar o ocorrido e, ao fazê-lo, chama a atenção para pormenor importante. “Falar sobre o racismo ajuda a pôr em discussão o mundo em que vivemos e o que queremos para nossos filhos.”
A resposta dos mineiros à agressão descabida e extemporânea diz o que a sociedade quer para os filhos. Ao rejeitar a manifestação de intolerância — que cobriu de vergonha os cidadãos que ouviram as ofensas e, por extensão, os demais que vivem de norte a sul do país —, os mineiros, como todos os brasileiros teriam feito, deixaram claro ao que aspiram para os filhos.
Almejam uma nação sintonizada com o século 21. Conviver com os diferentes é o primeiro mandamento. A aceitação do outro — independentemente de cor da pele, credo religioso, classe social, partido político, grau de escolaridade — implica trilhar o caminho da inclusão. O repúdio que ecoou em Belo Horizonte prova que não há caminho de volta. E ao infeliz autor das ofensas, bem como a todos os que eventualmente aprovam o que ele faz, que fique claro: #somostodosFabiana.