Réplica ao texto do Sr. Emir Sader (comunista, sociólogo e cientista, mestre em filosofia política e doutor em ciência política pela USP - Universidade de São Paulo). Escrito por Lobão em 22 Agosto 2013
Artigos - Movimento Revolucionário
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Sr. Emir Sader,
Tomo a liberdade de interpretar como diretas as suas indiretas à minha pessoa pelo singelo fato de ter escolhido o meu rosto para emoldurar o seu artigo, e mesmo que o senhor não tenha tido a hombridade de mencionar o meu nome, sinto-me na obrigação de lhe enviar a minha réplica. Sendo assim, vamos começar por partes:
Emir Sader |
1) Se existe essa transição de esquerda para a direita, me parece muito claro que o inverso é absolutamente verificável. O próprio Paulo Maluf, o José Sarney, o Fernando Collor, o Severino Cavalcanti, o Renan Calheiros entre tantos outros fazem parte integrante e fundamental da base aliada do PT. Todos com calorosa acolhida e, por que não dizer, com ardorosa defesa por parte de nossos grandes pensadores da esquerda (consulte sua colega, Marilena Chauí e pergunte o que ela acha atualmente do Paulo Maluf. É comovente perceber o amor, o carinho e admiração que ela nutre por ele nos dias de hoje). Portanto, sua tese começa a se desmoronar logo no segundo parágrafo do seu artigo.
2) O processo de conversão ao que o senhor se refere é algo mais simples e direto. Basta ter o mínimo de bom senso e uma inteligência mediana para se constatar a canoa furada que é a esquerda e seu lamentável histórico. É um mimo da sua parte achar que a URSS é o único repositório de quaisquer críticas tecidas à esquerda. Não, meu nobre companheiro. Não há na história da humanidade um só caso de que possamos nos jactar de alguma pálida forma que seja, da esquerda tendo um papel bem sucedido como modelo político. Todos foram um retumbante fracasso. Na URSS, na China, no Vietnã, Camboja, em Cuba, agora, na Venezuela, na Europa Oriental, na Albânia, na Coréia do Norte, Angola e por aí vai… Todos regidos por tiranetes caricatos. E não temos apenas a disseminação da miséria nesses povos, temos verdadeiros massacres, os maiores genocídios da história se concentram justamente nas administrações comunistas. Isso é fato irrefutável, portanto, o Stálin ser comparado a Hitler acaba sendo, por incrível que pareça, um eufemismo. Não me parece muito consistente o senhor querer fazer crer a qualquer criatura com mais de dois neurônios que Cuba é uma democracia plena, onde se respeita os direitos fundamentais do cidadão. Isso é um fato também. Não há o que discutir, lhe restando apenas o direito um tanto suspeito de ser um tiete de um regime deplorável. No entanto, o Brasil trava relações diplomáticas intensas com os irmãos Castro, auxiliando sua administração com polpudas quantias do NOSSO dinheiro para aquela bela e tão maltratada ilha. E isso na maior cara de pau!
3) No quinto parágrafo do seu artigo o senhor faz uma alusão de casos de pessoas que são “recompensadas pela direita”. Mas que direita? Praticamente TODOS os órgãos estão comprados pelo governo! A maioria esmagadora dos intelectuais e artistas desse país está se lambuzando toda com gordas verbas federais e deformando sua funções primordiais para se transformarem em militantes cínicos (eu mesmo fui laureado com uma polpuda verba pela lei Rouanet, verba essa que recusei peremptoriamente).
Foto de Lobão fixado no artigo de Emir |
E daí a inversão dos fatos: vocês são os chapas-brancas! Vocês são os militantes e patrulheiros ideológicos de plantão! Vocês se locupletam com verbas públicas! Vocês são a força de engenharia social de um governo corrupto e incompetente e isso é muito feio, pra não entrar muito fundo na questão. O rebelde aqui sou eu, companheiro. O espaço que recebo dessa tal mídia de direita a qual você se refere é cada vez mais exíguo. Só consegui fazer um programa de televisão em TV aberta e todos aqueles que costumava frequentar por tantos anos me fecharam suas portas até o presente momento, embora, malgrado todas as tentativas (inclusive a sua) de detratar e inviabilizar o meu livro, ele continua entre os mais vendidos por mais de 20 semanas. Sorry…
ManifestoQuando sai alguma matéria sobre o Manifesto do Nada na Terra do Nunca é sempre no intuito de denegrir de forma capciosa o seu conteúdo e, não raro, também a minha pessoa e minha conduta, da mesma forma que o senhor comete neste artigo.
Estou cansado de ler resenhas e crônicas me esculhambando, afirmando coisas absurdas como ser eu a favor da ditadura, da tortura, do regime militar. Eu jamais tomei esse tipo de posição!
Eu simplesmente não acredito em quem pegou em armas nos anos 60 pra “defender a democracia” porque isso não aconteceu! Eles (o senhor estava nessa também, não?) lutavam por uma outra ditadura! E esse é um cacoete mórbido que virou tabu investigar e isso é péssimo para todos nós.
Não acredito em pessoas como o senhor, que não passa de um filósofo de meia tigela, jogando pra sua galera, achando que vai se criar cagando goma pra cima de mim. Não vai!
Não admito ninguém ficar questionando a validade da minha qualidade artística, principalmente em se tratando de alguém que nada mais fez do que mostrar ser um analfabeto musical de amplo espectro. De outra forma não se arvoraria em tecer tão estúpido comentário em detrimento de uma porca e covarde estratégia pretendendo me despotencializar por uma suposta e inexistente decadência musical. Isto é, antes de mais nada, patético para a sua já tão combalida reputação.
Para concluir, quero deixar bem claro ao senhor e aos seu leitores uma coisa: se informe mais a respeito de quem está falando, nutra-se de mais prudência, vai por mim… Tente enxergar o próprio rabo e pare de projetar a sua mediocridade, sua obtusidade e sua venalidade em outros, principalmente quando pode ter a infelicidade de se deparar com pessoas assim como… eu.
Portanto, um dever de casa para o companheiro Emir Sader: escreva cem vezes no seu caderninho: "Escriba de aluguel é o caralho."
Lobão.
Texto do músico Lobão
Somente
depois do fim da ditadura passou a surgir no Brasil o fenômeno de
artistas e intelectuais que, até ali, estavam nas filas da oposição
democrática, passando a buscar abrigo nos espaços das elites
conservadoras. A própria forma que assumiu a transição favoreceu essa
conversão.
Seu
caráter conciliador entre o velho e o novo, chancelado pela aliança promíscua no Colégio Eleitoral entre o PMDB e o então PFL, no bojo do
qual os que não ficavam com a candidatura de Paulo Maluf, recebiam o
epíteto de “democratas” ou de “liberais”, como o próprio nome do partido
originário da ditadura mencionava. Antonio Carlos Magalhães, Marco
Maciel, José Sarney – entre outros – embarcaram nessa canoa e foram
recebidos de braços abertos pelos que organizaram a transição
conservadora da ditadura à democracia.
O
processo de conversão de gente de esquerda para a direita tem uma longa
história. O principal mecanismo para essa transição é a critica de
erros – reais ou supostos – da esquerda, como justificativa para
distanciar-se desta e caminhar – de forma célere ou lenta – para a
adesão à direita. Passar da critica à demonização da URSS foi a forma
clássica dessa transição. Se o projeto que encarnava o socialismo de
Marx, Lenin, Trotski, tinha se degenerado tão brutalmente, haveria que
jogar no lixo não apenas aquela primeira forma de existência de um
projeto socialista, mas o socialismo e seus teóricos e dirigentes.
Faziam
essa expurgação e eram acolhidos ou na social democracia ou – passando
às vezes por aí como transição – diretamente para a direita. A teoria do totalitarismo teve
o papel de tentar centrar o debate não na polarização
capitalismo/socialismo, buscando identificar a URSS com o nazismo,
Stalin com Hitler, todos na mesma canoa do totalitarismo.
Claro
que não era apenas um processo de reconversão intelectual. Era um
processo de reconversão de classe social. Quem fazia esse trajeto era
acolhido e bem recompensado pela direita – com edição de livros de
denuncia do comunismo ou da esquerda –, com amplas entrevistas na mídia
conservadora, afora outras recompensas materiais.
Nada
muito diferente do que acontece no mundo nas ultimas décadas. Os
pretextos podem ser o fim da URSS – confundido com o fim do socialismo
–, críticas levantadas pela direita sobre corrupção em partidos de
esquerda, políticas que não respeitariam o meio ambiente, etc., etc. O
objetivo é encontrar álibis para deixar de ser de esquerda.
As
formas que essa conversão assume são, via de regra, pelos generosos
espaços que a mídia de direita reserva carinhosamente aos que se dispõem
a criticar sistematicamente a esquerda, com a suposta autoridade de
quem foi de esquerda ou diz que foi. Contanto que não dirijam os fuzis
que a direita lhes concede contra a própria direita.
Jornais como O Globo, O Estado de São Paulo, a Folha de São Paulo, a Veja,
entre outros, estão cheios de esquerdistas “arrependidos”, que poupam
seus patrões – que, todos, apoiaram o golpe de 1964 –, para concentrar
seu fogo na esquerda – no PT, nos governos do Lula e da Dilma, na CUT,
no MST, etc., etc.
São
escritores e músicos em fim de carreira, que já não produzem nada que
valha a pena há décadas, que vivem do seu passado e do serviço que
prestam à direita. Ganham seu dinheirinho, têm seu espaço numa imprensa
cada vez menos lida, ou na TV como clowns da burguesia.
Escribas
de aluguel terminam suas carreiras – que às vezes tiveram algum brilho
no passado – comendo da mão da direita oligárquica, fazendo ainda pose
de artistas ou de intelectuais, odiando o Brasil que se transforma, se
democratiza, apesar de e contra eles.
(Artigo publicado no blog da Boitempo Editorial, publicado na quarta-feira, 21)