*Luiz Holanda
O Conselho Nacional de
Justiça (CNJ) aprovou recentemente uma resolução que permite aos
tribunais receberem patrocínio de empresas privadas para eventos e
congressos da magistratura, desde que o financiamento não ultrapasse 30%
dos custos totais. A proposta era abolir totalmente qualquer
patrocínio, já que quem paga certamente o faz visando alguma
contrapartida. Em dezembro do ano passado, durante uma festa de
confraternização promovida pela Associação Paulista de Magistrados,
foram sorteadas passagens e diárias de cruzeiros internacionais e um
automóvel, doados pelos patrocinadores.
Inspeções feitas pela
corregedoria nacional do CNJ sobre irregularidades cometidas pela
magistratura em diversas instâncias do Judiciário demonstraram que esse
poder em nada difere dos demais. Tal constatação tem como suporte as
declarações da ministra Eliana Calmon, no sentido de que nossa justiça
estava infiltrada de “bandidos que estão atrás da toga”. Na época a
ministra exercia a função de corregedora do CNJ, tendo suas declarações
desencadeado uma série de ameaças para intimidá-la. As corporações dos
juízes, à frente a Associação dos Magistrados do Brasil (AMB), a
Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) e a
Associação dos Juízes Federais (Ajufe), se juntaram para impedir o CNJ
de mexer na caixa preta desse poder, hoje considerado o menos
transparente do país.
Tantas são as mazelas
praticadas pelo Judiciário que o então presidente Lula, em 2003,
declarou que era preciso um controle externo para saber como funciona “a
caixa-preta desse Poder que se considera intocável”. Mesmo que o
ex-presidente não seja a pessoa certa para criticar o Judiciário, não há
dúvida de que suas elites são formadas por grupos que o comandam,
compostas de juristas que ocupam cargos de ministros dos tribunais,
desembargadores e de outras instituições jurídicas da administração
estatal. Integram esse rol a OAB, a Confederação do Ministério Público e
outras.
Tema recorrente e
repetitivo, a corrupção desenfreada que assola o país acabou por
contaminar nosso Judiciário, ao ponto de a imprensa nacional, mesmo
ameaçada com censura, desencadear uma ação moralizadora publicando
denúncias de figuras desse próprio poder, reconhecendo a existência de
bandidos togados na função de juiz. Daí a necessidade de medidas
necessárias para coibir os abusos, principalmente se levarmos em
consideração que compete ao juiz dirimir conflitos entre partes com
interesses opostos. Ora, fica difícil negar um pedido de uma empresa que
fornece bens, serviços e outros mimos aos magistrados e às suas
associações de classe. Cercados de símbolos, distinções, privilégios e
imunidades que sinalizam sua hierarquia superior, essa gente, com o
passar do tempo, acaba se transformando de indivíduo privado em uma
autoridade pública, que usa o poder em benefício próprio.
No momento em que a
autoridade passa a considerar os privilégios, os benefícios e as
homenagens inerentes ao cargo que ocupa como se dirigidas à sua pessoa,
surge a corrupção política. Esta, por sua vez, decorre do uso privado do
poder político. Mesmo que haja normas impeditivas, há uma tendência
para a corrupção, confirmada na frase de Lord Acton de que “o poder
tende a corromper”. As regras de cerimonial que regulamentam qual deve
ser o comportamento do cidadão comum na presença da autoridade confirmam
isso. Com o passar do tempo, essa autoridade tende a danificar a
igualdade antes existente em benefício próprio. Não é sem razão, pois, a
preocupação da sociedade com a oficialização de uma taxa – instituída
pelo próprio CNJ-, que poderá ser paga pelas empresas no patrocínio de
eventos da magistratura. Como quem paga tem o direito de receber o
produto pago (no caso uma decisão favorável), isso, além de uma
ignomínia, é uma insensatez.
Luiz
Holanda é advogado e professor de Ética e de Direito Constitucional da
Faculdade de Direito da Universidade Católica do Salvador.