Por ocasião da interpelação feita pela Associação dos Magistrados do Paraná ao então presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, a Advocacia Geral da União, que fez a defesa do presidente, respondeu que a palavra presidencial a respeito da justiça teve o intuito de traduzir o notório sentimento da sociedade quanto às situações obscuras vividas por aquele Poder –até hoje não devidamente esclarecidas. Na intentona, a associação extraiu do discurso do presidente a declaração de que a justiça não agia, enquanto justiça, no cumprimento da Constituição, que diz que todos são iguais perante a lei. No seu dizer, Lula afirmara que muitas vezes uns são mais iguais do que outros, de modo que ele chamava isso de “Justiça classista”.
Em suas declarações, o então presidente parecia sentir o clamor popular contra a corrupção no Judiciário, pois “Neste país, quem tem 30 contos de réis, não vai para a cadeia” e que era preciso saber como funcionava a caixa-preta desse poder, que se considera intocável. Para ele, como de resto para a maioria dos brasileiros, o crime organizado é uma indústria que tem seu braço político na polícia e no Judiciário. Não é de hoje, portanto, que a crise que o abala, principalmente no que se refere à sua transparência depois da atuação do Conselho Nacional de Justiça-CNJ, tem origem nos desmandos, na corrupção e nas mazelas praticadas quase que diariamente por magistrados que se acham acima de qualquer lei.
Essa história do ministro Marco Aurélio de Mello, herança do governo Collor, de que a sua atuação contra o CNJ decorre do cumprimento legal exigido pelo o Estado Democrático de Direito, é apenas uma maneira de justificar o corporativismo existente no judiciário através de decisões que contrariam a própria Constituição. O Estado de Direito é uma situação jurídica –ou um sistema institucional-, no qual todos são iguais perante a lei. Significa, portanto, que todos são submissos às leis promulgadas, inclusive os magistrados. Consagrado por nossa Carta Magna como um dos principios fundamentais, essa afirmação não é uma realidade presente, pois na prática significa tão somente um desejo ainda não satisfeito, já que entre nós a igualdade de todos perante a lei é apenas uma quimera. A dignidade humana, versão axiológica da natureza humana, é uma valorização da espécie alçada nas condições superiores de sua existência.
Exige, portanto, a igualdade de todos. Se aceitarmos passivamente a justificativa do ministro para cercear a atuação das instituições encarregadas de defender a ética no trato da coisa pública, não tardará a imposição da censura à imprensa em nome desse estado de direito, preço módico a ser pago (segundo o ministro) pela institucionalização de uma justiça corrupta e pelo poder dos acusados de decidir e executar suas próprias decisões, igual ao tempo da ditadura, quando os acusadores eram os próprios julgadores e executores das suas.