O Brasil não tem mais como fugir de uma decisão: ou corrige uma injustiça histórica ou assume perante o mundo que ainda não abandonou seu perfil escravocrata e antiquado. A atual sétima economia do mundo, aspirante a aumentar sua presença internacional, mantém milhões de pessoas, a maioria mulheres, submetidas a relações de trabalho inexplicavelmente desiguais, inferiores ao mínimo que a legislação do país garante aos demais trabalhadores. E o mais constrangedor é que as vítimas dessa distorção não trabalham em lugares remotos, longe do ambiente urbano ou do olhar crítico de pessoas esclarecidas. Pelo contrário, passam a maior parte da vidas a serviço de milhões de famílias das classes média e média alta. São cozinheiras, faxineiras, lavadeiras, passadeiras e babás, para citar apenas as atividades mais comuns exercidas por mulheres que garantem o funcionamento da casa e o atendimento às crianças, sem o que os patrões não poderiam dedicar tempo e atenção a suas carreiras profissionais.
Assunto incômodo e, por isso mesmo, secularmente varrido para debaixo do tapete das preocupações com a regulação da vida social e da atividade econômica, os direitos do empregado doméstico têm avançado a passos muito mais lentos do que a expansão da economia e a inclusão de milhões de famílias no mercado de consumo. Essa não é uma exclusividade da sociedade brasileira. Muitos países em estágio de desenvolvimento igual ou abaixo do nosso também têm relegado a atualização dos direitos dos domésticos à conveniência de seus empregadores. Não foi sem motivo, portanto, que a Organização Internacional do Trabalho (OIT) levou pelo menos cinco décadas de debates para aprovar uma resolução recomendando a extensão aos empregados domésticos de todos os direitos e benefícios em vigor na legislação trabalhista de cada país. O governo, por meio do Ministério do Trabalho, tem sinalizado a intenção de ratificar a resolução. Mas, para isso, terá de cumprir um roteiro que vai começar com o envio ao Congresso Nacional de um projeto de alteração da legislação, o que pressupõe debate.
É o que tem faltado: a busca franca e sem viés partidário do consenso sobre aceitar ou não as mudanças. Não é pouca coisa. Além do recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), para acertar o passo com o resto do mundo, o Brasil terá de enfrentar questões como a jornada de trabalho, o pagamento das horas extras, a especificação contratual do tipo de serviço a ser prestado e a delicada questão do empregado que mora com a família para a qual trabalha. Para ter uma ideia do tamanho da mudança, a velha e quase nunca verdadeira expressão “já é pessoa da família” tende a ficar no passado. E a sociedade pode acabar descobrindo que não tem mais como esperar que o governo faça a revolução que o país está devendo na educação, o que exigirá escola em tempo integral e magistério qualificado para absorver mais tempo das crianças. A esse custo vai se somar o dos direitos dos empregados domésticos. Para fazer frente a tudo, é provável que o país tenha de mudar de patamar salarial. A vida ficará mais cara para todos, mas o acesso ao conforto deixará de ser privilégio. Não é outra coisa que ocorre nos países desenvolvidos.